Na Midia

Por que a felicidade depende do bem-estar coletivo

POR: JÚLIA FLORES

Entre selfies, fotos de pets e paisagens paradisíacas, o feed do Instagram também contempla uma chuva de frases de autoajuda que disseminam a positividade tóxica, promovendo uma visão simplista da felicidade. No geral, as mensagens praticamente gritam que “ser feliz o tempo todo” só depende de você, que a felicidade é atingível por meio de esforços individuais, e parecem ser o mandamento dessa geração.

Mas, afinal, o que é a felicidade? “Gosto de seguir o pensamento freudiano que diz que felicidade é a obtenção do prazer e, por consequência, a evitação do desprazer. Como se, quando estivéssemos felizes, atingíssemos o estado zero de tensão, sem vivermos preocupados”, pontua a psicóloga Gabriela Menezes. Daí pra frente, ser feliz se tornaria uma pauta individual, de âmbito subjetivo. “Temos uma ideia romantizada de felicidade, de que dá pra ser feliz com pouco, com o simples, mas o que é esse pouco? O que é esse simples? Varia de pessoa para pessoa”.

“Felicidade não se alcança, felicidade se constrói”

O escritor israelense Tal Ben-Shahar, autor de best-sellers, criador do curso Psicologia Positiva, de Harvard, e estudioso da Ciência da Felicidade, a define como a combinação do bem-estar físico, emocional, intelectual, relacional e espiritual. “Não existem caminhos curtos para a felicidade, assim como não há um atalho para escrever uma sinfonia de Mozart”, disse em entrevista anos atrás, em visita ao Brasil, contrapondo-se às fórmulas de autoajuda.

Muitas vezes confundida com o sentimento de alegria, uma emoção passageira, assim como o medo e a tristeza, é importante lembrar que a felicidade é um estado de espírito, um conceito mais amplo.

Idealizador do Congresso Internacional da Felicidade e professor de pós-graduação em Psicologia Positiva, Gustavo Arns tem a mesma visão de Tal Ben-Shahar. “Felicidade não se alcança, felicidade se constrói”, acredita. E parte da felicidade, explica ele, é responsabilidade de cada um, fruto das escolhas individuais. “Porém, essas mesmas escolhas são limitadas dentro de um enquadramento social. Quando dizemos que felicidade é fruto do bem-estar físico, também estamos falando de alimentação, de acesso à comida”, pondera.

Para Gustavo, ser feliz é um direito que deve ser garantido pelo Estado, que tem papel significante na construção da felicidade coletiva. “O governo deve fornecer as condições mínimas necessárias para que o indivíduo construa o seu bem-estar. Provendo, garantindo os direitos básicos, os direitos humanos e tantos outros. Se cada um assumir a sua responsabilidade, vai impactar no coletivo e, assim, criamos um ciclo positivo de desenvolvimento saudável”, defende.”

O pesquisador acredita que bem-estar e progresso social andam juntos. Ou seja, quando a população está “de bem” com o “bem-estar”, é comum que os indicadores – inclusive econômicos – aumentem. Mais um motivo para facilitar o acesso, promover ações e políticas públicas que visam melhorar a saúde das pessoas.

Ser feliz é um direito que deve ser garantido pelo Estado

Relatório Mundial da Felicidade realizado anualmente pela ONU (Organização das Nações Unidas) desde 2012 exemplifica bem a ideia de que a felicidade é também fruto de uma construção coletiva e de um país justo. O mais recente, divulgado em março passado, mostrou que a Finlândia segue liderando o ranking pelo sexto ano consecutivo, num total de 137 países. Entre os critérios de avaliacão estão apoio social, renda, saúde, senso de liberdade, generosidade e ausência de corrupção, o que sustenta o Brasil ocupar a 49ª posição.

Em 2021, o país estava na 38ª e despencou 11 colocações no último ranking. Nesse mesmo período, pesquisa indica que os diagnósticos de ansiedade cresceram cerca de 113% no Brasil. Na América Latina, lideramos a lista de nações com o maior número de pessoas depressivas – quadro que também piorou com a pandemia.

E não é só aqui. Preocupado com o crescimento da “taxa de infelicidade” de sua população, dois ans atrás, o Japão criou o Ministério da Solidão, bem como o Reino Unido que, em 2018, desenvolveu uma secretaria de Estado para combater a epidemia de solidão e o aumento nas taxas de suicídio.

O imperativo da felicidade

Não por acaso, a explosão dos casos de transtornos mentais no mundo coincide com o crescente uso das redes sociais, lugar em que a regra é parecer feliz, satisfeito, bonito e alegre todo o tempo – sem falar da comparação incessante com a vida alheia.

Gustavo Arns chama esse ideal de perfeição de “ideia infantilizada da felicidade”. “Felicidade é um estado no qual cabem diversas emoções. Os momentos de alegria existem, claro, assim como existem os momentos também tristes. E todos eles fazem parte da vida”, diz. “É preciso olhar para o tema com um olhar maduro, de escolhas, com olhar de autorresponsabilidade, realmente assumindo a nossa parte, a nossa parcela.”

Para o psicanalista e criador do podcast A Loucura Nossa de Cada Dia,  Guilherme Facci, o primeiro passo para avançarmos na conversa sobre felicidade é justamente tirá-la do imperativo, como se ser feliz fosse uma ordem, uma obrigação. Ele reflete: “Será que todos estão deprimidos ou vivemos em uma época em que é proibido ficar triste? Eu fico com a segunda opção”.

Na visão do psicanalista, o problema é que, atualmente, ficar triste significa, entre outras coisas, parar de ser produtivo – o que é mal visto e “proibido” no mundo de hoje.

“Para alcançar a felicidade é necessário a coragem de não se medir pela expectativa dos outros em relação a você”, acrescenta Guilherme. Ele defende que a sensação de felicidade está profundamente relacionada à possibilidade de pertencimento e troca com o mundo. “O convívio em comunidade, ter amigos e vê-los com frequência, poder nos sentir úteis e acolhidos é determinante para sermos felizes”, acredita.

É o que Tal Ben-Shahar acredita: “Felicidade não depende de conquitas e não depende de dinheiro, além do suficiente para nos prover as necessidades básicas. O que contribui para a felicidade: relacionamentos. Tempo de qualidade que passamos com as pessoas que queremos e nos querem bem”, disse, em 2018.

Mais uma mostra de que a felicidade só acontece no coletivo.